O parto na cultura das imigrantes latino-americanas
Ilustração: Helena Zelic |
"O valor da doulagem está em dar e receber. Mas precisamos dar o que está em nós, os saberes de mulheres das nossas famílias, porque é isso que temos para dar. A vida e o corpo tem que circular e para isso eu preciso dar o que se encontra no meu profundo. Eu deixo essa provocação para que vocês busquem suas tradições." - Jobana Warms, integrante da Equipe de Base Warmis de Convergência de Culturas.
A gravidez e o parto são eventos fisiológicos permeados por valores culturais, sociais, emocionais e afetivos. Pode-se dizer que são "eventos biopsicossociais" pois fazem parte de um processo de transição da condição de mulher para a de mãe. Em cada região e em cada momento histórico, diferentes práticas e costumes envolveram o nascimento e o parto, refletindo os valores culturais e os aspectos políticos econômicos da sociedade.
Quando falamos de humanização da assistência ao parto é fundamental pautarmos o reconhecimento dos aspectos culturais e sociais que envolvem o parto e nascimento para aquela mulher. Isto é, uma assistência individualizada que reconheça os complexos padrões de comportamentos, crenças e valores que cada mulher carrega em seu íntimo e se adapte às suas especialidades culturais.
As mulheres imigrantes da Bolívia, Chile e Peru têm práticas diferentes na maternidade e diferentes visões e crenças sobre o nascimento. Infelizmente, é raro que que o atendimento a essas mulheres imigrantes respeite e conheça sua cultura originária, suas práticas e cuidados com o recém-nascido. Na Capacitação de Doula Voluntárias do SUS, tive a oportunidade de ouvir essas mulheres e conhecer um pouco de suas vivência em relação à maternidade no Brasil.
"O Brasil tem o mito de ser acolhedor. Não é, nós sofremos e somos descriminadas." - Jobana Warms, integrante da Equipe de Base Warmis de Convergência de Culturas.
Helena Zelic |
"É importante perguntar para a mulher se ela lembra das tradições da sua terra natal, as tradições da sua família", comenta Jobana Moya, boliviana integrante da Equipe de Base Warms de Convergência de Culturas.
A chilena Andrea Carabantes, também integrante da Equipe de Base Warmis, conta que "no Chile tudo tem que pagar, lá foi o modelo do neoliberalismo na América Latina. Aqui no Brasil o SUS fala de universalidade e isso faz toda a diferença. O que falta aqui são direitos políticos e sensibilização cultural."
O Calor Corporal
No nascimento do seu filho, Jobana Moya, boliviana e também integrante da Equipe de Base Warmis, se recusou a ficar nua durante o trabalho de parto. Na Bolívia, Chile e Peru, manter o calor no corpo da grávida e do bebê é essencial para evitar o que elas chamam de "sobreparto" ou frio no corpo, que desencadeia complicações no pós-parto. Por isso, para manter-se aquecida, a mulher tem o costume de usar muita roupa durante a gestação e o parto, beber chás, ingerir alimentos quentes, evitar ficar próxima de correntes de ar, ventiladores ou janelas abertas. Tradicionalmente, os partos acontecem na cozinha da casa por ser aquecida.
Uma queixa frequentes das mulheres imigrantes é que seus bebês não são agasalhados o suficiente depois do parto e nos dias que ficam internados. Muitas também relatam ter passado frio depois do parto nos hospitais de São Paulo.
Uma queixa frequentes das mulheres imigrantes é que seus bebês não são agasalhados o suficiente depois do parto e nos dias que ficam internados. Muitas também relatam ter passado frio depois do parto nos hospitais de São Paulo.
Mãe no pós-parto na sala com adequação cultural do Hospital de Patacamaya na Bolívia. Foto: Olmo Calvo |
Outro aspecto importante, é que as mulheres bolivianas não caminham depois do parto. Elas ficam em repouso por pelo menos 24 horas, pois acreditam que movimentar-se fará mal a elas. Por isso, ao prestar assistência a essas mulheres, é importante não levá-las caminhando até o quarto, optar por cadeiras de rodas ou maca.
Trabalho de parto
Parto na sala com adequação cultural do Hospital de Patacamaya na Bolívia. Foto: Olmo Calvo |
As mulheres bolivianas bebem chás e se alimentam para ter forças para o parto. O local deve ser calmo, com luz baixa, pois acredita-se que o bebê está transitando de um mundo para outro e ele deve chegar com tranquilidade, pois isso afetará sua vida futura.
Cesariana
Ao verem os índices de cesarianas no Brasil, as imigrantes ficam com medo de parir nos hospitais brasileiros. Enquanto muitas mulheres brasileiras optam pela cesariana eletiva, para as imigrantes a cesariana é considerada um fracasso para a mulher, como se ela tivesse dado conta de parir naturalmente.Como conta Jobana, "na Bolívia, utilizamos muita medicina tradicional e trabalhamos com a saúde preventiva, temos tempo para cozinhar, descansar, nos curar. As pessoas tem medo dos médicos e da medicina ocidental."
Para as Aymaras, a mulher que passa por uma cesariana é "a cortada" ou "a costurada" e é considerada inservível para as tarefas do campo, ficando relegada a tarefas menos importantes. Acredita-se também que o bebê que "foi tirado" não terá vínculo com a mãe.
O banho no pós-parto
Nas mulheres Aymaras, bolivianas em geral e Mapuches (sul do Chile), a mulher não toma banho logo após o parto, ela só toma banho vários dias depois ou quando ela acredita estar pronta. Antes disso, é só limpeza com panos e água morna.Acredita-se que a mulher que toma banho logo em seguida do parto sofrerá de sobreparto, que implica entre outras coisas, que a mulher fique sem leite ou não possa amamentar, a perda vínculo materno e/ou o útero se endureça fazendo com que o sangue fique preso.
O banho de imersão no bebê só é dado após o umbigo cair, aproximadamente uma semana depois de nascer. Antes disso a limpeza é feita com algodão e água morna.
Fonte: abundantbearth |
A Placenta
A placenta tem um importância muito grande para essas culturas. Ela é o ninho do bebê, uma parte integral da criança e não pode ser jogada fora. Os Mapuches a usam para ler o futuro da criança e depois a enterram embaixo de uma árvore sagrada. Os Aymaras enterram a placenta pois acreditam que ela indicará o caminho de volta para o ninho quando o bebê envelhecer e morrer."A placenta dos meus filhos estão enterradas nas árvores da minha casa para meus filhos saberem para onde eles vão depois que eles partirem, conta Jobana.
Para essas culturas jogar a placenta no lixo ou queimá-la é inconcebível.
Fontes:
"Considerações ao atendimento do parto e nascimento nas mulheres imigrantes da Bol´ˆvia, Chile e Peru" - Equipe de Base Warmis- Convergência de Culturas
Yajahuanca, Rosário. A experiência de gravidez, parto e pós-parto das imigrantes bolivianas e seus desencontros na cidade de São Paulo.
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